O
impacto foi forte. Pousamos sobre uma estrada no meio do deserto
do Cazaquistão. No helicóptero, rumo a cidade
de Kostanai, o cansaço venceu. Dormi. Missão cumprida.
A recepção na Rússia, a maneira carinhosa
com a qual todo aquele povo, que tantos cosmonautas possui,
me recebeu, sem qualquer dúvida, sem objeções
ou críticas, como um herói do seu próprio
país, marcou bastante. As semelhanças que encontraram
entre mim e Yuri Gagarin foram parte desse sentimento público
por mim. Ficaram gravados em minha mente os sorrisos, os abraços,
a sinceridade no rosto de cada uma daquelas pessoas.
Hoje, depois de dias de hospital, exames, fotos, viagens e muitos
apertos de mão, a brisa manhã é calma.
Estou em casa com a minha família. A sensação
é de tranqüilidade depois da batalha. Aproveito
algum tempo para estar com os meus. A última e única
vez que os vi nesses últimos cinco meses foi durante
um encontro rápido, cerca de uma hora apenas, no auditório
do hotel em Baikonur, na noite anterior à decolagem para
o espaço. Suas mãos estavam suadas. O sorriso
preocupado. Nos seus olhos, eu via o temor de ser aquela a última
chance de me abraçar. Notei como meus filhos estavam
crescidos. Estranho. Durante tantos anos, quase uma década
de projeto, eu estava tão ocupado, tão distante.
Concentrado em realizar sempre o melhor para representar bem
as nossas cores e, ao mesmo tempo, para que a participação
brasileira na ISS e a minha missão de levar a bandeira
ao espaço sobrevivessem aos problemas administrativos
no Brasil, eu não vi meus filhos crescerem.
Mas eles estavam lá naquele dia. Como sempre estiveram,
ao meu lado. Olhos cheios de lágrimas. Mãos trêmulas.
Mas tentando demonstrar e transmitir força e calma para
mim naquele momento importante. Sacrifícios que compartilhamos.
Força, determinação e coragem que compartilhamos.
Características que aprenderam ao longo da vida. Características
que cultivei de pequeno, crescendo na carreira na Força
Aérea Brasileira. Carreira que, assim como a convivência
com a família, também tive que sacrificar para
realizar a minha missão para o Brasil. Mas a minha responsabilidade
com o País é maior que a minha carreira e a minha
vida particular. A missão foi cumprida. A sensação
hoje é de paz interior por “ter feito a minha parte”.
Por não ter jogado palavras vãs ao ar, mas por
ter colocado, literalmente, minha vida a serviço do meu
país e “realizado”. Existe uma grande diferença
do sacrifício, da atitude, da determinação
e da coragem necessários para o simples “falar”
e o para verdadeiro “fazer”.
Fato é que, hoje, a bandeira do Brasil já foi
ao espaço e milhões de sementes foram plantadas
nos corações dos nossos jovens, nos corações
do nosso futuro. Daqui há vinte anos ainda teremos livros
de história, mas a nossa velha geração
e todas as nossas fraquezas atuais como inveja, medos, inseguranças,
incompetências, etc...estarão mais míopes,
de bengalas ou mortos. Por outro lado, os jovens de hoje, com
o coração cheio de motivação e idéias
produtivas, estarão no comando do nosso país.
Essa será a nossa colheita, cujo preço é
incalculável. Eles “farão” a diferença.
Não são “papéis” que realizam,
são pessoas. Sinto-me extremamente feliz por ter sido
parte desse processo positivo, disparado pelo primeiro vôo
orbital brasileiro.
Nesse instante, poderia aproveitar essa calma e descansar, assistir
o tempo passar. Quem sabe apenas viver a vida.
Mas o meu “coração de guerreiro ”
não descansa. É preciso sonhar. É preciso
acreditar. É preciso “realizar”. São
precisos desafios! Vamos cultivar as sementes plantadas. Temos
ainda muito o que fazer pela nossa juventude.
Aproveitei esses dias para pensar sobre o próximo passo,
sobre os meus destinos, sobre a minha “próxima
missão”. Conversei com a família. “Conversei”
com Deus. Pedi por orientação, paciência
e sabedoria.
A resposta veio em forma de várias “coincidências”
ocasionadas por situações, pessoas boas e pessoas
ruins. De qualquer modo, todos juntos mostraram ao meu coração
a direção correta.
Assim, seguindo meu coração e os meus instintos,
que tantas vezes me salvaram da morte durante situações
de perigo como piloto, eu decidi pela realização
de um sonho antigo. Um sonho que nasceu quando ainda era um
jovem tenente aviador em Santa Maria, RS. Naquele tempo, apenas
um sonho. Hoje, uma possibilidade. Mais do que isso, uma responsabilidade.
Agora é o tempo certo para começar essa nova jornada.
Uma nova etapa.
Como muitos sabem, eu tenho a plena convicção
de que “Educação” é a grande
solução básica para todos os problemas
da nação. Educação, na verdade,
é a minha grande paixão.
Há muito tempo, no meu sonho, eu vi um país sem
crianças de rua, esfarrapadas, vendendo balas ou pedindo
nas esquinas, batendo nas janelas espelhadas de motoristas ocupados
e assustados. Um país onde todas as crianças pudessem
ter acesso à escola, e condições mínimas
de vida para freqüentá-la. Condições
de aprender, sonhar e serem felizes.
Lembrei daquele sonho quando vi os olhos e os sorrisos das centenas
de crianças no Parque da Cidade, durante minha última
visita a São José dos Campos, SP. Quando vi os
famosos feijões plantados no espaço, ali, crescendo
entre aquelas crianças naquele parque. Percebi que meu
trabalho não era apenas “plantar as sementes”,
mas o maior desafio seria fazer com que essas sementes fossem
transformadas em árvores bonitas, cheias de bons frutos.
Assim, trabalhar para a educação no Brasil será,
de hoje em diante o meu objetivo maior. A minha “missão”
de vida com o meu país.
Na prática, as ações começam com
a criação de um Instituto destinado a fomentar
e promover educação para crianças de baixa
renda no Brasil. Obviamente, o trabalho será um caminho
longo e árduo. Aproveitarei o momento de ajustes administrativos
e planejamentos para descansar um pouco e preparar para a jornada.
Será necessário o apoio de muita gente. E eu não
tenho vergonha de pedir ajuda. Instituições que
sempre estiveram ao meu lado, como a Força Aérea
Brasileira, o SENAI, e tantas outras. Nesse novo desafio, eu
espero contar com todos. Especialmente espero contar com as
pessoas que apoiaram a missão de levar a bandeira do
Brasil ao espaço pela primeira vez, com as pessoas que
sonham com uma melhor educação no Brasil, com
as pessoas que amam o nosso país e até mesmo aqueles
que sempre tentaram me prejudicar no passado. “Qualquer
coisa que você fizer será insignificante, mas é
muito importante que você faça a sua parte”.
Acredito que podemos colocar em prática essa frase de
Ghandi.
Certamente, também pretendo usar o conhecimento técnico-operacional
e o reconhecimento junto a empresas e instituições
internacionais que conquistei durante todos esses anos de trabalho
e representação do Brasil no exterior no programa
da ISS. Assim, em paralelo com as atividades prioritárias
na área social para a Educação, também
pretendo assessorar os setores correspondentes da Força
Aérea, do Programa Espacial, das instituições
de pesquisa e, obviamente, das indústrias e empresas
brasileiras, cuja participação conjunta com o
setor público é essencial para o desenvolvimento
técnico-científico e para a geração
de empregos no país.
Contudo, eu também espero contar com o empenho desses
mesmos setores no esforço pela Educação
das crianças. Juntos, com certeza, podemos fazer muita
coisa. E existe muita coisa a ser feita.
Portanto, essa é a minha decisão, os meus caminhos
do futuro e a minha nova missão de vida. A ela eu dedicarei
meus esforços integrais com a mesma determinação
e perseverança que sempre nortearam as minhas atitudes.
Não importa quanto tempo demore. Não importam
as “pedras” no caminho. Não importa quantas
vezes teremos que levantar. Não importa quanto esforço
seja necessário. Hoje a Educação ganhou
mais um guerreiro nas suas linhas. E durante essa batalha, que
eu vou lutar, literalmente, até a morte, eu espero poder
olhar ao redor e vê-lo(a) ao meu lado!
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