CAMINHOS DO FUTURO

A próxima missão
Marcos Pontes
26/05/2006

O impacto foi forte. Pousamos sobre uma estrada no meio do deserto do Cazaquistão. No helicóptero, rumo a cidade de Kostanai, o cansaço venceu. Dormi. Missão cumprida.
A recepção na Rússia, a maneira carinhosa com a qual todo aquele povo, que tantos cosmonautas possui, me recebeu, sem qualquer dúvida, sem objeções ou críticas, como um herói do seu próprio país, marcou bastante. As semelhanças que encontraram entre mim e Yuri Gagarin foram parte desse sentimento público por mim. Ficaram gravados em minha mente os sorrisos, os abraços, a sinceridade no rosto de cada uma daquelas pessoas.
Hoje, depois de dias de hospital, exames, fotos, viagens e muitos apertos de mão, a brisa manhã é calma. Estou em casa com a minha família. A sensação é de tranqüilidade depois da batalha. Aproveito algum tempo para estar com os meus. A última e única vez que os vi nesses últimos cinco meses foi durante um encontro rápido, cerca de uma hora apenas, no auditório do hotel em Baikonur, na noite anterior à decolagem para o espaço. Suas mãos estavam suadas. O sorriso preocupado. Nos seus olhos, eu via o temor de ser aquela a última chance de me abraçar. Notei como meus filhos estavam crescidos. Estranho. Durante tantos anos, quase uma década de projeto, eu estava tão ocupado, tão distante. Concentrado em realizar sempre o melhor para representar bem as nossas cores e, ao mesmo tempo, para que a participação brasileira na ISS e a minha missão de levar a bandeira ao espaço sobrevivessem aos problemas administrativos no Brasil, eu não vi meus filhos crescerem.
Mas eles estavam lá naquele dia. Como sempre estiveram, ao meu lado. Olhos cheios de lágrimas. Mãos trêmulas. Mas tentando demonstrar e transmitir força e calma para mim naquele momento importante. Sacrifícios que compartilhamos. Força, determinação e coragem que compartilhamos. Características que aprenderam ao longo da vida. Características que cultivei de pequeno, crescendo na carreira na Força Aérea Brasileira. Carreira que, assim como a convivência com a família, também tive que sacrificar para realizar a minha missão para o Brasil. Mas a minha responsabilidade com o País é maior que a minha carreira e a minha vida particular. A missão foi cumprida. A sensação hoje é de paz interior por “ter feito a minha parte”. Por não ter jogado palavras vãs ao ar, mas por ter colocado, literalmente, minha vida a serviço do meu país e “realizado”. Existe uma grande diferença do sacrifício, da atitude, da determinação e da coragem necessários para o simples “falar” e o para verdadeiro “fazer”.
Fato é que, hoje, a bandeira do Brasil já foi ao espaço e milhões de sementes foram plantadas nos corações dos nossos jovens, nos corações do nosso futuro. Daqui há vinte anos ainda teremos livros de história, mas a nossa velha geração e todas as nossas fraquezas atuais como inveja, medos, inseguranças, incompetências, etc...estarão mais míopes, de bengalas ou mortos. Por outro lado, os jovens de hoje, com o coração cheio de motivação e idéias produtivas, estarão no comando do nosso país. Essa será a nossa colheita, cujo preço é incalculável. Eles “farão” a diferença. Não são “papéis” que realizam, são pessoas. Sinto-me extremamente feliz por ter sido parte desse processo positivo, disparado pelo primeiro vôo orbital brasileiro.
Nesse instante, poderia aproveitar essa calma e descansar, assistir o tempo passar. Quem sabe apenas viver a vida.
Mas o meu “coração de guerreiro ” não descansa. É preciso sonhar. É preciso acreditar. É preciso “realizar”. São precisos desafios! Vamos cultivar as sementes plantadas. Temos ainda muito o que fazer pela nossa juventude.
Aproveitei esses dias para pensar sobre o próximo passo, sobre os meus destinos, sobre a minha “próxima missão”. Conversei com a família. “Conversei” com Deus. Pedi por orientação, paciência e sabedoria.
A resposta veio em forma de várias “coincidências” ocasionadas por situações, pessoas boas e pessoas ruins. De qualquer modo, todos juntos mostraram ao meu coração a direção correta.
Assim, seguindo meu coração e os meus instintos, que tantas vezes me salvaram da morte durante situações de perigo como piloto, eu decidi pela realização de um sonho antigo. Um sonho que nasceu quando ainda era um jovem tenente aviador em Santa Maria, RS. Naquele tempo, apenas um sonho. Hoje, uma possibilidade. Mais do que isso, uma responsabilidade. Agora é o tempo certo para começar essa nova jornada. Uma nova etapa.
Como muitos sabem, eu tenho a plena convicção de que “Educação” é a grande solução básica para todos os problemas da nação. Educação, na verdade, é a minha grande paixão.
Há muito tempo, no meu sonho, eu vi um país sem crianças de rua, esfarrapadas, vendendo balas ou pedindo nas esquinas, batendo nas janelas espelhadas de motoristas ocupados e assustados. Um país onde todas as crianças pudessem ter acesso à escola, e condições mínimas de vida para freqüentá-la. Condições de aprender, sonhar e serem felizes.
Lembrei daquele sonho quando vi os olhos e os sorrisos das centenas de crianças no Parque da Cidade, durante minha última visita a São José dos Campos, SP. Quando vi os famosos feijões plantados no espaço, ali, crescendo entre aquelas crianças naquele parque. Percebi que meu trabalho não era apenas “plantar as sementes”, mas o maior desafio seria fazer com que essas sementes fossem transformadas em árvores bonitas, cheias de bons frutos.
Assim, trabalhar para a educação no Brasil será, de hoje em diante o meu objetivo maior. A minha “missão” de vida com o meu país.
Na prática, as ações começam com a criação de um Instituto destinado a fomentar e promover educação para crianças de baixa renda no Brasil. Obviamente, o trabalho será um caminho longo e árduo. Aproveitarei o momento de ajustes administrativos e planejamentos para descansar um pouco e preparar para a jornada. Será necessário o apoio de muita gente. E eu não tenho vergonha de pedir ajuda. Instituições que sempre estiveram ao meu lado, como a Força Aérea Brasileira, o SENAI, e tantas outras. Nesse novo desafio, eu espero contar com todos. Especialmente espero contar com as pessoas que apoiaram a missão de levar a bandeira do Brasil ao espaço pela primeira vez, com as pessoas que sonham com uma melhor educação no Brasil, com as pessoas que amam o nosso país e até mesmo aqueles que sempre tentaram me prejudicar no passado. “Qualquer coisa que você fizer será insignificante, mas é muito importante que você faça a sua parte”. Acredito que podemos colocar em prática essa frase de Ghandi.
Certamente, também pretendo usar o conhecimento técnico-operacional e o reconhecimento junto a empresas e instituições internacionais que conquistei durante todos esses anos de trabalho e representação do Brasil no exterior no programa da ISS. Assim, em paralelo com as atividades prioritárias na área social para a Educação, também pretendo assessorar os setores correspondentes da Força Aérea, do Programa Espacial, das instituições de pesquisa e, obviamente, das indústrias e empresas brasileiras, cuja participação conjunta com o setor público é essencial para o desenvolvimento técnico-científico e para a geração de empregos no país.
Contudo, eu também espero contar com o empenho desses mesmos setores no esforço pela Educação das crianças. Juntos, com certeza, podemos fazer muita coisa. E existe muita coisa a ser feita.
Portanto, essa é a minha decisão, os meus caminhos do futuro e a minha nova missão de vida. A ela eu dedicarei meus esforços integrais com a mesma determinação e perseverança que sempre nortearam as minhas atitudes. Não importa quanto tempo demore. Não importam as “pedras” no caminho. Não importa quantas vezes teremos que levantar. Não importa quanto esforço seja necessário. Hoje a Educação ganhou mais um guerreiro nas suas linhas. E durante essa batalha, que eu vou lutar, literalmente, até a morte, eu espero poder olhar ao redor e vê-lo(a) ao meu lado!

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